domingo, 23 de junho de 2013

De coxinhas e maisenas

Entrevistador: Analista de Bagé, o senhor é ortodoxo?
Analista de Bagé: Tão ortodoxo quanto caixa de maisena
(Luís Fernando Veríssimo)

Desde quarta-feira, o incrível movimento de massas que tomou as ruas se viu dividido. De um lado, manifestantes experientes, que acusam os novos de serem "coxinhas", uma expressão que se consagrou por definir um tipo paulistano, pelo menos na descrição de Leonardo Rossatto Queiroz. Do outro, os novos manifestantes, que passaram a ser submetidos a uma onda de sermões daqueles que se apresentaram como experientes e insones - "nós nunca dormimos".

Venho acusando desde então que ninguém está entendendo nada, e um dos motivos é uma visão demasiado ortodoxa dos fatos que estamos presenciando. "Tão ortodoxa quanto caixa de maisena", diria o Analista de Bagé. Ortodoxia é uma coisa que só serve na Igreja - e mesmo assim só se for no espírito dinâmico apresentado por G.K. Chesterton, e não como tradicionalismo vazio de alguns. Ortodoxia na análise social mais atrapalha que ajuda.

Gente tão ortodoxa quanto caixa de maisena percebeu que a pauta de quem aderiu às manifestações não era a mesma deles, que estavam na luta desde antes, quando ninguém notava. "Nós nunca dormimos", dizem, como quem consome mais de dez xícaras de café para ficar acordado.

Os maisenas não entenderam que eles são uma espécie de relógio quebrado, parado, que marca a hora certa duas vezes ao dia. Não foi o relógio que acertou, foi o tempo que coincidiu com o relógio. As manifestações pelo passe livre coincidiram com uma insatisfação latente em toda uma camada na sociedade, e a fizeram explodir. Diante disso, os maisenas tinham duas opções: entendê-los para liderá-los, ou tentar encaixá-los em sua ortodoxia. Optaram pela segunda escolha, e quebraram a cara.

Agora os maisenas reagem como o menino perna de pau que é dono da bola: depois de perder o jogo, pega a bola e acaba com a brincadeira. Saem a dizer que os "cozinhas" deveriam aprender com a História, acusam-nos de fascistas, anti-partido, blá, blá, blá. Sono. O problema não está nos coxinhas, mas em quem não os compreende.

Toda a memória reunida nos partidos de esquerda, que leem Trotsky, Lenin, Nahuel Moreno, parece não servir de nada nessas horas. Para os grupos da ultra-esquerda, bastava trocar a lamentação contra o apartidarismo por uma leitura renovada do Programa de Transição:

É necessário ajudar as massas, no processo de suas lutas cotidianas a encontrar a ponte entre suas reivindicações atuais e o programa da revolução socialista. Esta ponte deve consistir em um sistema de REIVINDICAÇÕES TRANSITÓRIAS que parta das atuais condições e consciência de largas camadas da classe operária e conduza, invariavelmente, a uma só e mesma conclusão: a conquista do poder pelo proletariado.

Claro que eu não estou interessado na Revolução Socialista, mas quem está deveria reler seus próprios inspiradores. Se não, fica preso às categorias do passado, mais ortodoxo que caixa de maisena. E só para vocês saberem, maisena é ingrediente para produzir coxinha.

Afinal, que insatisfação é essa?
O Datafolha no último sábado mostrou que a maioria dos que estão na rua não é conservadora. Deixa eu repetir: NÃO É CONSERVADORA. Conservadores são apenas 5% dos manifestantes. Mais de 80% defende a democracia. E metade está insatisfeita com a corrupção.

Não adiante ficar perguntando de que corrupção se está falando. Corrupção é um conceito guarda-chuva que abarca a insatisfação das pessoas com a lentidão do estado em atender as demandas da população por conta de um jogo político palaciano muito pouco republicano, especialmente no que envolve o Legislativo. De 2004 a 2010 a vidas das pessoas melhorou, a desigualdade caiu, e as expectativas subiram. Agora as pessoas querem avançar, mas as políticas públicas emperram na incompetência dos quadros técnicos dos municípios, na lentidão para se punir políticos corruptos nos três poderes e três níveis da federação, e na agilidade para se atender a demanda de um Eike Batista.

A própria presidente Dilma se enrolou neste emaranhado, quando interrompeu pela metade sua faxina ética, sem institucionalizar o combate a corrupção e cedendo aos líderes bandidos em troca de uma governabilidade frágil até para aprovar uma medida provisória. Neste sentido, as manifestações podem servir para a presidente dar uma nova guinada em seu governo, servindo de argumento para reduzir ministérios, cortar a alegria da base aliada e inclusive enxugá-la a alguns partidos mais fiéis.

Em dez de maio, o professor e blogueiro Idelber Avelar abria a confidência de um amigo no governo federal: "Minha bronca é com a base do governo nas redes, que aceita tudo, engole tudo, não critica nada. Só piora a nossa situação aqui. Num governo de coalizão, a direita sapateia em cima da gente se não há pressão da base. Na última reunião com o pessoal do [insira aqui um Ministério controlado pela direita, que não vou dizer qual é], eles esfregaram na minha cara: 'não adianta espernear, porque a gente sabe que sua base vai aceitar, sim'"

Pois é. Os maisenas que acusam os coxinhas e dividem o movimento ao invés de entender suas raízes só colocam água no moinho da direita. Entregam os coxinhas à liderança da direita, e fortalecem os fisiológicos dentro do governo. Parabéns, bela revolução vocês estão fazendo.

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