quarta-feira, 19 de junho de 2013

O que a Gota d'Água tem a dizer sobre a mobilização de hoje

Jovens sem histórico de militância, desvinculados de grupos políticos organizados, que em um cenário de luta decidem se mobilizar em um nível inédito. Declaram-se apartidários e querem mudanças. Parece que estou descrevendo as mobilizações juvenis de agora, mas estou falando da militância que surgiu na USP entre 1999 e 2000, que se articularam em duas gestões do DCE: a Universidade em Movimento e a Gota d'Água.

Apesar de a Gota d'Água ter se apresentado como contraponto ao que foi a Universidade em Movimento, elas tinham muito em comum. Reuniam militantes de classe média, estudantes da USP, que tinham uma consciência política formada em silêncio, fora dos partidos políticos. A primeira leva, que deu origem à Universidade em Movimento, se organizou em torno de Fóruns de Educação promovidos pelo DCE. A segunda, que se articulou na Gota d'Água, formou-se nos grupos de discussão organizados durante a greve da USP em 2000.

A diferença principal é que a Universidade em Movimento se organizou em torno do núcleo da gestão Carcará, que estava à frente do DCE em 1999. O PSTU se integrou a esta gestão apenas no final, mas o principal polo aglutinador era a Força Socialista, corrente da esquerda petista. Hoje grande parte desta corrente está no PSOL. Já a Gota d'Água formou uma identidade própria, reunindo lideranças moderadas que não aceitaram a influência da esquerda petista e do PSTU na FFLCH, Poli e Largo São Francisco e militantes que começaram a se mobilizar na greve de 2000.

Era uma vanguarda apartidária, mas isso não significava que fossem conservadores. Quando estavam todos juntos no Comitê de Greve, organizaram a primeira ocupação da reitoria da USP deste século, e foram peça chave na onda de lutas que agitou o ano 2000. Contudo, enquanto as correntes ortodoxas como o PSTU se embebiam na ilusão de estar liderando o processo, o descontentamento com a condução partidária levou a militância nova à reorganização.

Parte menor permaneceu em torno na Força Socialista, que de todas as correntes partidárias foi a que mais respeitou a característica daquela vanguarda, e formou a tese "Para além dos muros e das máscaras" e a maior parte da chapa "De que lado você samba?". Mas a maioria não aceitou nem mesmo a direção desta, e buscou um caminho próprio. Constituíram uma chapa vencedora das eleições do DCE daquele ano.

A avaliação de todos, inclusive de quem estava na esquerda ortodoxa, era de que a Gota d'Água era um movimento pelego. De fato, havia muita liderança moderada entre eles, e alguns apoiaram candidatos do PT nas eleições daquele ano, como Nabil Bonduki. Contudo, aquelas lideranças, tanto  forneceram quadros para a esquerda acadêmica e partidária que estão atuando até hoje. Um exemplo é o economista Pedro Barros, do IPEA, um dos maiores especialistas em economia venezuelana que eu conheço. Além disso, as virtudes e os vícios do movimento estudantil da USP hoje foram criados por aquela geração de militantes.

Hoje vejo o discurso apartidário se voltar contra uma nova geração de manifestantes como se voltou contra aquela. E isto me preocupa. Esta postura não abriu o diálogo: pelo contrário, afastou aquela geração da direção do movimento daquele momento. É preciso entender as razões do apartidarismo, e talvez uma revisão do fenômeno Gota d'Água possa nos ajudar.

Em tempo: esta análise é fruto de uma revisão que se iniciou dentro do PSTU já em 2000, por dois militantes, e foi interrompida abruptamente por uma luta fracional cheia de desvios burocráticos dentro do partido. Como resultado desta luta, e da ingenuidade de um dos militantes, os dois deixaram o partido em 2001. Eu era um deles.

Nenhum comentário:

Postar um comentário