quinta-feira, 20 de junho de 2013

Uma insatisfação em busca de significação

O título deste post remonta ao relato que fiz da passeata de segunda-feira neste blog, e volto a ele porque ainda ajuda a nos explicar o que está acontecendo com os nossos jovens. Há uma insatisfação difusa, ainda sem uma cara definida, uma expressão política clara que amalgame esta insatisfação para um foco. Mas agora há uma mudança: as forças políticas tradicionais, que começaram na incompreensão e avançaram para a perplexidade, mudaram agora para o chavão.

Até terça-feira, ninguém entendia nada, e todo mundo admitia isso de uma forma ou de outra. Agora todo mundo acha que entende. Cada um pegou um rótulo pré-fabricado - já falei que no meu caso o único rótulo vermelho que aceito é o red label - e começou a tentar encaixar os fatos em seu próprio estereótipo. Durante esta quinta-feira ouvi que os manifestantes eram comunistas por terem barrado as bandeiras pró-vida e defenderem o fora Feliciano, e que eram fascistas por barrarem as bandeiras do PT, da CUT e até do movimento negro. Afinal o que são os manifestantes?

São uma coisa nova, e não são uma coisa só. São jovens de classe média insatisfeitos, e o ponto em comum acaba aqui. Há insatisfeitos da nova classe média e insatisfeitos da velha. E são jovens. Uma pessoa que tenha 18 anos hoje provavelmente nasceu depois do Plano Real, ou seja, não acompanhou de perto a luta pela redemocratização, a Diretas Já ou o fora Collor. Repetem a fala de Danilo Gentili em seu show "Politicamente Incorreto":

Ah, ela [Dilma] estava ao lado do Genoino e do Zé Dirceu, estava lutando para o meu país ser o que é hoje? Devo a ela o Brasil ser como é? Poxa! Muito obrigado, hein! Você fez um ótimo trabalho!

Veja que a frase acima não é uma rejeição à luta contra a democracia, mas ao estado de coisas atual do Brasil. A geração no poder está acomodada e perdeu a capacidade de criar. Aécio Neves diz isso do PT, mas seu partido também não é um gerador de novidades. O país avançou, tem problemas novos, e ainda estamos discutindo privatização.

O que estamos vendo nas ruas é uma insatisfação antiburocrática. O Movimento Passe Livre, cuja identidade ideológica é mais alinhada a uma certa esquerda tradicional, abriu as portas para uma insatisfação maior, que não cabe no programa da ultra-esquerda. Aliás, não cabe em nenhum programa, nem mesmo no da Rede de Marina Silva.

Dentre os jovens, podemos identificar dois grupos. Um já tem uma experiência de militância, envolvida em mobilizações já existentes como parada gay, marcha das vadias e da maconha. É esta militância mais ligada ao MPL e aos primeiros grupos que se somaram as passeatas contra as tarifas. Esta tem laços mais estreitos com a ultra-esquerda tradicional e aceita melhor certos partidos políticos.

O outro está chegando agora, e se expressa de forma diferente. São estes os que cantam hino nacional, pedem para afastar bandeiras de partidos e movimentos, e trazem para a rua reivindicações de perfil mais conservador. Mas cuidado, a palavra "conservador" gera uma ilusão de ótica em quem a usa de forma tradicional. Se você tende a achar que por detrás dos manifestantes conservadores estão os ricos e poderosos do país, um aviso: estes estão com o governo.

O conservadorismo da massa expressa valores arraigados na chamada "nova classe média" - ou batalhadores, na definição exata de Jessé Souza - e exprimem um apelo a valores religiosos, à proteção familiar e a uma ética do trabalho duro como estratégia secular de sobrevivência. Nesta manifestação, este espírito se materializou na defesa do Brasil contra os políticos, identificados como a fonte de toda crise e de prejuízos para a sociedade.

O PT, que se mantém no poder com o apoio desta camada, está sentindo os efeitos da exacerbação das diferenças entre seus princípios e os valores desta classe. Esta ruptura se ensaio de certa forma na candidatura Russomanno, cuja desconstrução foi difícil e cuja gênese ainda não foi devidamente compreendida. Ela se manifesta agora, quando a insatisfação contra políticos em geral se volta contra o partido que está há dez anos no poder.

As reiteradas acusações de golpe que se voltam contra os novos manifestantes não ajuda a estreitar os laços entre eles e a esquerda, e põe água no moinho da direita. O PT e a ultra-esquerda poderiam escolher entender esta nova militância e dialogar com ela, mas, por não compreendê-la, optaram pelo caminho do confronto, acusando-a de golpista. Sinal de que continuam sem entender nada.

Em tempo: nada do que eu descrevi acima justifica atos de violência contra militantes de partidos políticos e movimentos sociais que portavam suas bandeiras no movimento. Aliás, há gente violenta em todos os lados, e os anarquistas Black Block estão aí para demonstrar isso.

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